"Sou gaúcho macho e nunca tive celular".
Niterói, Jornal "O Fluminense"
(Publicado em 09/08/2005)
Estudante assisitiu à morte de professor
Liriane Rodrigues e Andréa Uchôa
Aluna da Universidade Federal Fluminense (UFF) assistiu ao assassinato do professor de filosofia da faculdade Arno Aurélio Viero, de 45 anos, pelo retrovisor de seu carro. A testemunha, segundo informações de uma fonte da Polícia Civil, é a peça-chave para a elucidação do crime, ocorrido na tarde da última segunda-feira, no Ingá. Apesar desse e de outros casos de violência já registrados na região, a Polícia Militar continua a tomar providências tardiamente. Uma viatura só foi deslocada para o local um dia após o homicídio.
A estudante, que estava parada em um sinal de trânsito, no cruzamento das ruas Tiradentes e Visconde de Moraes, no carro da frente ao da vítima, é a esperança de que um retrato-falado do criminoso seja feito. Segundo o delegado-titular da 76ª DP (Centro), Reginaldo Guilherme, policiais civis tentam localizar outras testemunhas. A principal linha de investigação da polícia é tentativa de assalto, delito comum no bairro.
"Essa área é tensa, com muitos focos de assaltos, principalmente à noite. Mas dessa vez, foi muito descaramento. Um professor foi assassinado em plena luz do dia, com a rua movimentada", disse indignado José Maurício Álvarez, coordenador da pós-graduação em Artes e Produção Cultural da UFF, que chegou a ver Arno Viero poucas horas antes do crime.
O vice-reitor da universidade, Antonio José Peçanha, confirmou que assaltos, furtos e seqüestros-relâmpagos se tornaram parte do cotidiano de quem freqüenta e mora na região. A gravidade da situação é tanta que a universidade solicitou inúmeras vezes um policiamento ostensivo e constante.
"Há um tempo, pedimos a colocação de uma viatura fixa próximo ao Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS). Porém, o comando do batalhão da época disse que não era necessário, alegando que ali não tinha grande movimento", revelou Peçanha.
Segundo ele, há cerca de dois anos, a UFF chegou a arcar com as despesas para reforma de uma viatura da PM para que pudesse haver ronda no local. Entretanto, o patrulhamento durou apenas um ano. Há quase dois meses, o comandante do 12º BPM (Niterói), tenente-coronel Marcus Jardim, se reuniu com representantes de universidades para conhecer as necessidades da região. Mas, segundo o superintendente de administração da UFF, Mário Augusto Ronconi, até agora nada foi feito.
Faixas pretas
Faixas pretas, algumas salas de aula sem alunos e portas fechadas no Departamento de Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Assim, a faculdade, seus funcionários e estudantes manifestaram a dor e a indignação por perder o professor do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF), assassinado às 17h30min da última segunda-feira, com um tiro no tórax, após reagir a um assalto. A bala atravessou o coração e se alojou no fígado.
Em comunicado oficial, o diretor do ICHF, professor Francisco Palharine, informou que o instituto "estará de luto por três dias, de modo a manifestar sua solidariedade a todos os familiares e amigos, mas também protestando contra a falta de segurança de Niterói e, particularmente, nas imediações do campus (...). Hoje (ontem), também, a UFF estará hasteando suas bandeiras de forma a expressar este luto".
A funcionária da biblioteca da UFF, Miriam Cruz, de 50 anos, foi aluna de lógica de Arno e contou que o professor tinha a fama de ser muito exigente com os estudantes.
"Ele não era aquele típico gaúcho intempestivo, mas não agressivo", disse ela, completando: "Uma outra aluna contou que ele já tinha sido assaltado no semestre passado e reagiu". A versão de reação ao assalto não é aceita por Palharine.
Despedida - Apaixonado pelo Rio de Janeiro e fanático pelo Botafogo, o professor da UFF Arno Viero teve seus últimos desejos realizados. Viero foi sepultado ontem à tarde no Cemitério São João Batista, em Botafogo, vestindo uma camisa do seu time do coração, como era de sua vontade. Amigos do professor confeccionaram uma coroa de rosas brancas com a inscrição "Sou gaúcho macho e nunca tive celular". Viero escreveu esta frase e disse aos mais próximos que fazia questão de que ela fosse exposta no dia de seu enterro.
"É hábito da maior parte dos filósofos, não gostar de celular. Ele preferia o diálogo frente a frente", revelou Francisco P alharine.
Segundo ele, o professor – que saiu de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 1992, mesmo ano em que começou a lecionar na UFF - costumava debater o tema violência em sala de aula.
Filosofia
Lá se vão quatro anos, mas parece que foi ontem que entramos pela primeira vez na sala de aula do Instituto de Filosofia da UFF e encontramos aquele professor estrábico, sotaque gaúcho, cabelos compridos e didática impressionante. Éramos calouros de Comunicação Social e Arno Viero fez questão de mostrar – como poucos no meio acadêmico – que universidade pública é coisa séria. Sempre pontual, ensinava, indicava leituras e, por isso, exigia.
Se suas animadas aulas cativavam a maioria dos alunos, despertavam tremendo mal estar em outros – tem gente que acha filosofia inútil? Mas, com certeza, ele se despede deste mundo com uma legião de admiradores, como nós. Não é qualquer um que consegue transmitir idéias de Platão, Descartes, Hume e Kant sem rodeios. Brincalhão – certa vez, comparou as orelhas do filosofo austríaco Karl Popper às do ratinho Topo Giggio! –, Arno atraía alunos de outros cursos para suas aulas.
Só temos a lamentar profundamente seu assassinato. Arno foi um dos professores dos quais mais nos recordamos com saudade.
Todo mundo está cansado de saber que assaltos e mortes são em nossa cidade, em especial nos arredores da UFF, onde, inclusive, outros professores já tiveram seus carros roubados. Já enviamos abaixo-assinados pedindo policiamento. E nada (Emanuel Alencar e Manoela Cesar)
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