Filosofia da Mentira (III)
No início de julho houve uma discussão aqui no blog sobre a Filosofia da Mentira. Retomo o tema, ainda mais atual, para indicar um outro escrito sobre a mentira. Lembrando: o texto clássico sobre o tema é do Santo Agostinho, De Mendacio, (Sobre a Mentira), escrito em 395. Agostinho parece não ter gostado do texto, mandou queimar (felizmente mentiram para ele e não queimaram o texto) e escreveu outro (Contra a Mentira). Um outro texto é o de Montaigne, um ensaio publicado no volume 1 dos Ensaios (tem nos Pensadores). Chama-se "Dos Mentirosos". Veja um trecho:
Sabe-se que os gramáticos estabelecem uma diferença entre dizer uma mentira e mentir. Dizer uma mentira é, na opinião deles, adiantar uma coisa falsa que a gente crê verdadeira, ao passo que na língua latina, da qual provém a nossa, mentir é falar contra a própria consciência."
Pensando agora no comentário do Adriano: o tema da mentira tem mais do que uma inversão do conceito de dizer a verdade, como sugere o texto de Bonhoeffer. A idéia de resolver o problema dizendo-se que a mentira é o contrário da verdade não dá conta de muitos aspectos do tema: mentiras brancas, placebos, etc.
Pensando agora sobre ensino de filosofia: acho que a gente perde um tema e um gancho importante quando a gente elabora aulas sobre o tema da verdade, a partir dos manuais de segundo grau. Se estou bem lembrado, todos os bons manuais do ramo sempre abordam o problema da verdade, e ele nem sempre diz a que vem, pois estão centrados nos aspectos semânticos do tema (relação com a 'realidade'). Junto com o problema semântico, que é central na discussão tradicional sobre 'verdade', deveríamos nos dar conta que o tópico tem uma dimensão pragmática essencialíssima, na qual surge, com naturalidade, a filosofia da mentira.
Essa foi uma das razões de nosso interesse pelo texto de Bonhoeffer, que está nos Arquivos ao lado.
Um comentário:
Numa carta endereçada ao seu irmão Nikolai, o escritor Anton Pavlovitch Tchekov diz o seguinte a respeito das pessoas cultas: "Elas são sinceras e têm horror à mentira, como se fosse o fogo. Elas não mentem nem em relação às pequenas coisas. Uma mentira é um insulto àquele que ouve e o deixa numa posição inferior aos olhos daquele que fala" (Fonte: Lendo Tchekov, de Janet Malcolm).
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