quarta-feira, agosto 24

"Manter os financiadores nas sombras"

Acho que foi em 95 que participei em um ciclo de palestras chamado "Pragas da Primavera", creio eu. Ou teriam sido os "Sentimentos de Outono"? Bueno, escrevi um texto com o titulo "Democracia com teu desafeto ou ditadura com teu predileto", que depois de apresentado foi entregue às traças. Nunca o publiquei. Me lembro que cheguei a mandar, santa ingenuidade, para uma revista dirigida pelo José Genoino, pela natureza do tema.
Hoje, em meio a essa conversa sobre o silêncio dos intelectuais e a pretensa crise da esquerda, fui ver se as roedoras tinham deixado alguma coisa. Lá estava o dito, que começava com um problema de conjuntura da época. O problema de conjuntura era o pedido público de desfiliação de um fundador do PT, Cesar Benjamim, que saiu atirando e dizendo coisas como essa que transcrevo:

“Durante a campanha, sugeri a um alto dirigente que abríssemos nossas contas e pedíssemos que os demais candidatos fizessem o mesmo para que a opinião pública conhecesse os financiadores de cada um. Soube então, vagamente, que não poderíamos fazer isso, tínhamos de manter nossos financiadores na sombra. Senti-me traído. Ao ir à tribuna do 10º Encontro estava determinado a dizer coisas duras. Mas eram muito menos duras do que o que se diz nos corredores. Minha frase sobre a Odebrecht não foi dúbia, nem irônica. Não houve desvio individual de conduta. Tudo decorreu de uma lógica, a das máquinas eleitorais (que, aliás, só no PT, entre os grandes partidos, ainda pode ao menos ser questionada).
Dirceu é inocente, mas não o sistema de poder que governa o PT, aliás com apoio das bases. Boa parte do que resta delas está cooptada.” (Cezar Benjamin, Folha de S. Paulo, 23 de Agosto de 1995)

O César saiu tapado de críticas. Uma delas foi escrita pelo José Genoíno, dias depois. Veja esse trecho:

“Os eventuais erros que o PT possa ter cometido no financiamento das campanhas não devem ser debitados a essa ou àquela corrente. O próprio partido, no seu todo, é responsável por não adotar um conjunto de regras de conduta dos candidatos e das direções em relação a essa questão. A rigor, quando se trata de finanças, o PT funciona à base da informalidade.” ( ...)

Repare na atualidade da última frase! Mais adiante ele escreve:

“Um partido não pode defender um conjunto de regras para os outros e adotar práticas que as contradizem. A coerência é incompatível com um sistema de dupla moral: uma para ser pregada e outra para ser praticada. Se o discurso que fazemos para os outros deve valer para nós mesmos, na questão que diz respeito ao financiamento de campanhas o PT deve praticar aquilo que ele entende deva ser válido, legalmente, para todos os partidos. Claro que o PT deve levar em conta a legislação para viabilizar-se eleitoralmente. Mas, se a legislação é falha, o PT deve pautar sua conduta em um conjunto de regras corretas a serem propostas e institucionalizadas para todos. É na discussão sobre legislação eleitoral e regras de financiamento de campanhas que o PT deve encontrar a solução para seus dilemas sobre essas questões. A solução, portanto, é pela via da política, evitando-se o vale-tudo do eleitoralismo, e não via purgação moral. Nesse particular, acredito que o critério da transparência, da publicidade e da limitação das doações para campanhas é o melhor ponto de partida para o PT definir sua posição sobre o tema." (José Genoino, Folha de S. Paulo, dia 31 de agosto de 1995).

Falou e escreveu. Não parece ter lido.

Eu aproveitei o escrito de Genoíno, nos idos de 1995, para criticar a pressa e a superficialidade de alguns pretensos representantes da esquerda brasileira, para quem certos fins justificavam certos meios. Tudo isso agora é história, não?
Em todo caso, vou ver o que as traças deixaram do meu artigo de 95 e pendurar na rede. Por essas e por outras, quando me falam em crise da esquerda, lembro do Tonto, falando para o Zorro, que, apreensivo, dizia que estavam em apuros, cercados pelos índios: "- Nós quem, cara-pálida?"


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