20 de Setembro?
Empresto o blogue para um texto de Russel Vaz Moraes, visitante quem vem das bandas do Alegrete. Russel é professor de Língua Portuguesa e Literatura em Alegrete (também conhecida por uns poucos como Nova Hereforde! O blogue está ficando intermunicipal, como se pode ver!) Com a palavra o Russel:
Quase de arrasto, mas gaúcho
Na vida, há coisas que precisam ser ditas. Coisas que todo mundo sabe, todo mundo vê. Coisas que, porém, poucos ousam a dizer, a difundir, pois, ao propalá-las, pode-se, como escrevera Thiago de Mello, em "Canção para os fonemas da alegria", despertar "o bicho de quatrocentos anos", cujo "fel, espesso", pode gerar abalos sísmicos mesmo em geografias praticamente inertes, a exemplo desta em que vivemos.
Pois, mesmo assim, para propagar o que muitos afirmam ser "indizível", José Carlos Queiroga está de volta. E mais incisivo, como se esperava. Ora presente, ora retroativo, "Tratado Ontológico acerca das Bolas do Boi", lançado em outubro de 2004, pela Editora Méritos, meche na ferida e deixa à mostra o pus que, há tempos, vem, qual tsunami, sobrepondo-se ao verde campestre. O pus que vem arrasando vidas e deixando a la suerte milhares de Otacílios, cotidianamente abocanhados (e esgualepados) por estes imensos cinturões de miséria, com os quais já se deparavam, entre outros, o Chiru e o João Guedes, na profética trilogia do gaúcho a pé, de Cyro Martins.
Depois de "Viagem aos Mares do Sul" (Mercado Aberto, 1999), o jornalista discute, com maior ênfase, a questão do latifúndio, analisando suas origens arcaicas e seus desdobramentos presentes. Em quinhentas e vinte e quatro páginas, o calvário de Otacílio, em busca de um cavalo para desfilar no dia 20 de setembro, decantada como "data magna da identidade pampeana", é um fiel retrato do momento por que passa o gaúcho, expurgado da lidas, pós-a-pé, quase de arrasto, perambulando pelas sangrias da vida, bebendo canha e virando o mate, cuspindo de laçaço, sem eira nem beira, debatendo o preço da arroba bovina e da saca do arroz alheio.
Segundo o professor e crítico literário Marcelo Backes, o "Tratado de Queiroga é um romance-tese (...). E o autor é conseqüente, crítico, materialista, dialético, tem noção profunda do mundo que o rodeia. Ele vê e assimila tudo (...)." Tanto é verdade que um tal Movimento Sepé Tiarajú surge, no front de sua literatura, para protagonizar um incessante duelo com o Grunhe (Grêmio Ruralista de Nova Hereford), que serpenteia o referido grupo de infelizes - grupo que derrete sob lonas de cor funesta, cor de carvão, assim como o carvão que, logo em brasas, assa a picanha e a costela de primeira que, somadas a inevitáveis tragos, abastecem a vigília, à margem do acampamento.
E eis que surge Galdino, paladino, personagem que defende a tese (catequese, por supuesto, of course), levanta literalmente a bandeira (vermelha), mateando com Tunica: Otacílio, como outros tantos, milhares, é uma "vítima" – vítima, na verdade, de uma circunstância alheia à sua vontade de analfabeto, como no "tempo dos farrapos". A ignorância (em seu ponto mais íntimo), assim, alimenta a idolatria. No ar, paira Marx: o peão endeusa o patrão, que, com isso, alicerça suas cercas de pedras. Galdino, claro, rechaça qualquer aproximação e quer o confronto – direto, se for preciso. E a luta continua, companheiro!
De fundamental leitura, em busca de necessárias interpretações, "Tratado Ontológico acerca das Bolas do Boi" surge como "o outro lado da moeda": a visão abnegada em relação a interesses minúsculos, que contemplam parcelas cada vez menores de uma sociedade prestes a ser coberta por uma erva daninha que se chama ganância.
Russel Vaz Moraes
russelvazmoraes@gmail.com)
2 comentários:
Professor? Com tantos erros de português?
Aponte os erros, cidadão! Estou à espera, pronto para retrucá-los!
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