A política e o tempo
Fazer, agir, transformar o mundo: esses verbos são legítimos representantes da dimensão da prática humana, dimensão que nos instala diretamente na temporalidade. Se a nossa "boa alma" (veja o post anterior) se acha comprometida com a transformação da sociedade, latu sensu , desde logo ela passa a ter uma relação especial com o tempo. Ela deixa de ter todo o tempo do mundo, ela tem pressa, urgência, impaciência. Aos poucos a alma boa cria certos esquemas de administração da vida humana que talvez possam apressar e garantir a eqüidade, a justiça, o fim da exploração do homem pelo homem. Ora, ocorre que nesse momento a boa alma sofre a tentação da teoria, a tentação de encontrar algum tipo de verdade sobre a história e a sociedade que cimente e garanta, com alguma cientificidade, as boas razões e fins que santificam os meios.
Surge então um dilema. No domínio das práticas da vida, a temporalidade é uma condição absoluta, é um componente ou constitutivo absoluto, no sentido trivial de que nossas vidas duram: temos fome, sede, tristezas e alegrias dia depois de dia. Para o que importa nos assuntos da prática humana não temos todo o tempo do mundo: temos apenas o tempo que temos, breve, curto, fugaz; o que deixei de dizer hoje para alguém talvez não possa dizer amanhã, o que fiz hoje talvez não possa desfazer amanhã. Corremos contra o tempo, matamos o tempo, não temos tempo e o tempo nos cobra o que fazemos sem ele.
Ora, se no domínio do fazer humano o tempo é um constitutivo absoluto, no domínio do conhecimento as coisas se passam de modo diferente.
Suponhamos que nossa boa alma, depois de muita reflexão (coisa que lhe tomou muito tempo) finalmente nos comunica que compreendeu o mundo, que já possui a teoria correta sobre a história, que já está de posse da crença verdadeira sobre como deve ser organizada a vida dos homens na face da terra. Seu trabalho será, a partir daí, uma questão de conversão de almas, de levar até às outras boas almas a novidade descoberta, que permanecerá, como toda boa verdade, intocada, externa e alheia aos inconvenientes da duração da vida.
Ora, será este um bom modelo para pensarmos a política? Creio que é nesse tipo de problema que Weber está pensando quando insiste na discussão do vício clerical de querer sempre ter razão, vício característico de tantos intelectuais que se metem na política, pensando-a como verdade descoberta (e não construída...), como conversão das almas (e daí os temas correlados, da fé, traição, boas intenções, pureza de princípios ou convicções e a salvação de si mesmo).
(Segue, ainda de 1995, recuperado das traças)
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