"Ser ou não ser?" (3)
Como lidar com um sofrimento demasiado, que julgamos não merecer? Esse foi o tema do terceiro quadro do "Ser ou não ser?" Ou seja, uma das tantas formas de se lidar com o tema do mal, por exemplo, e, sem duvida, uma questão clássica da filosofia. Na linguagem da tevê, para ligar o espectador, o roteirista parte de uma situação particular, que poderia ser a de qualquer um de nós. No caso, um mecânico, Marcos Mariano, é preso e fica na cadeia por 19, respondendo por um crime que não cometeu. Em nossas vidas - essa é a provocação - podemos ter visto coisas assim ou passamos por algo parecido, mesmo que em ponto muito menor. O que fazer? Apertar os dentes? Apelar para Deus e o Diabo? O roteiro evitou discutir a segunda alternativa, e só por isso já merece algum respeito. Ou você diria que o roteirista fugiu da raia? Não sei. Podemos ver o quadro de um outro ponto de vista. Ele faz uma sugestão - diria o Giannotti - uma insinuação. O quadro insinua que o tema do sofrimento, que é tão facilmente resolvido por uma religiosidade povoada de diabos, pode ser enfrentado e discutido em outros termos de referência.
A segunda parte do quadro é mais complicada. O tópico era "a importância da arte na vida". Seguiram-se menções a Nietzsche, Grécia Antiga e a forma como a arte é capaz de tornar a vida mais intensa e alegre, tudo isso em poucos segundos, o que gera um certo pastel de batata conceitual. Volta do Mariano, o preso injustiçado: ele se pergunta, afinal, porque uma desgraça dessas acontece comigo? É a dica para entrar o conceito de tragédia, e da tragédia grega, e o roteiro cita sófocles, Ésquilo e Eurípides; para ligar a memoria do telespectador, o roteiro leva em conta a memória novelística do espectador: "Lembra da novela do Dias Gomes, aquela de 1987, com a Vera Fischer, sobre o cara que sem saber, mata o pai, o tal do Édipo?" Pois é, Grécia!
E tome mais Antígona e Schiller, e tome a arte como sublimação da dor, a arte como um mecanismo para a criação de um espaço de afastamento da dor. Pois "podemos nos relacionar com a dor por meio da arte".
Essa segunda parte dá a impressão que ninguém queria abrir mão do que julgava importante, e socaram no roteiro muito mais do que seria adequado para o pouco tempo disponível. Bom material, mas a cada segundo a gente podia sentir a atenção ficando mais frágil, porque mais perdida diante de tantos nomes e situações.
Final: "para sobreviver, o ser humano precisa de conhecimento, mas para viver precisa de arte." Como conclusão de um silogismo, seria frágil, pois as premissas não foram apresentadas; como frase para fechar o quadro, no espírito de Nietzsche, está bem.
Agora, se você é professor de filosofia, diga lá: como você trataria uma pergunta sobre o sofrimento demasiado, injusto, se fosse feita por um aluno, depois de assitir o programa?
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