terça-feira, agosto 9

Os moinhos de vento


Capítulo VIII
Do bom sucesso que teve o valoroso Dom Quixote na espantosa e jamais imaginada aventura dos moinhos de vento, com outros sucessos dignos de feliz recordação

Quando nisto iam, descobriram trinta ou quarenta moinhos de vento, que há naquele campo. Assim que Dom Quixote os viu, disse para o escudeiro:
- A aventura vai encaminhando os nossos negócios melhor que o soubemos desejar; porque, vês ali, amigo Sancho Pança, onde se descobrem trinta ou mais desaforados gigantes, com quem penso fazer batalha, e tirar-lhes a todos as vidas, e com cujos despojos começaremos a enriquecer; que esta é boa guerra e bom serviço faz a Deus quem tira tão má raça da face da terra.
- Quais gigantes? disse Sancho Pança.
- Aqueles que ali vês - respondeu o amo -, de braços tão compridos, que alguns os têm de quase duas léguas.
- Olhe bem Vossa Mercê - disse o escudeiro -, que aquilo não são gigantes, são moinhos de vento; e o que parecem braços não são senão as velas, que tocadas do vento fazem trabalhar as mós.
- Bem se vê - respondeu Dom Quixote - que não andas corrente nisto das aventuras; são gigantes, são; e, se tens medo, tira-te daí, e põe-te em oração enquanto eu vou entrar com eles em fera e desigual batalha.
Dizendo isto, meteu esporas ao cavalo Rocinante, sem atender aos gritos do escudeiro, que lhe repetia serem sem dúvida alguma moinhos de ventos, e não gigantes, os que ia acometer. Mas tão cego ia ele em que eram gigantes, que nem ouvia as vozes de Sancho nem reconhecia, com o estar já muito perto, o que era; antes ia dizendo a brado:
- Não fujais, covardes e vis criaturas; é um só cavaleiro o que vos investe.
Levantou-se neste comenos um pouco de vento, e começaram as velas a mover-se; vendo isto Dom Quixote, disse:
- Ainda que movais mais braços que os do gigante Briareu, heis de mo pagar.
E dizendo isto, encomendando-se de todo o coração à sua Senhora Dulcinéia, pedindo-lhe que em tamanho transe o socorresse, bem coberto da sua rodela, com a lança em riste, arremeteu a todo o galope do Rocinante, e se aviou contra o primeiro moinho que estava diante, e dando-lhe uma lançada na vela, o vento a volveu com tanta fúria, que fez a lança em pedaços, levando desastradamente cavalo e cavaleiro, que foi rodando miseravelmente pelo campo fora. Acudiu Sancho Pança a socorrê-lo, a todo o correr do seu asno; e quando chegou ao amo, reconheceu que não se podia menear, tal fora o trambolhão que dera com o cavalo.

- Valha-me Deus! - exclamou Sancho. - Não lhe disse eu a Vossa Mercê que reparasse no que fazia, que não eram senão moinhos de vento, e que só o podia desconhecer quem dentro da cabeça tivesse outros?
- Cala a boca, amigo Sancho - respondeu Dom Quixote; as coisas da guerra são de todas as mais sujeitas a contínuas mudanças; o que eu mais creio, e deve ser verdade, é que aquele sábio Frestão, que me roubou o aposento e os livros, transformou esses gigantes em moinhos, para me falsear a glória de os vencer, tamanha é a inimizade que me tem; mas ao cabo das contas, pouco lhe hão de valer as suas más artes contra a bondade de minha espada.
- Valha-o Deus, que o pode! respondeu Pança.
(...)

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