domingo, janeiro 28

Bento Prado, Jr.


A última vez que vi Bento Prado Jr. foi em agosto de 1997. Estávamos no mesmo hotel em Belo Horizonte, participando do "Seminário Internacional de Filosofia Analítica e Pragmatismo". Ele levava na mão o livro de Giovanna Borradori, The American Philosopher (UCP, 1991), que lia com interesse. Comentei que estava lendo livros de Arthur Danto e isso valeu longas conversas, em caminhadas no campus da UFMG. Eu já o conhecia de outras oportunidades, mas foi ali que pude ter esse privilégio de conversar muitas vezes com ele, no bar do hotel, tentando acompanhá-lo no johnnie red, nos almoços e jantares do encontro. Não imagino, em nossas catacumbas filosóficas, quem possa ombrear com ele na amabilidade. Uma de suas tarefas era coordenar uma mesa de debates na qual os palestrantes se mobilizavam para apresentar propostas de fundamentação da ética. Com a maior simplicidade ele abria os debates perguntando a todos se, afinal, a ética era de fato carente de alguma fundamentação. Precisamos mesmo fundamentar a ética?
Eu estava contente e triste naquele encontro; pude conversar bastante com Susan Haack e apresentei meu paper para Richard Rorty, que foi de uma atenção particularmente surpreendente; ao final veio conversar comigo, fazendo sugestões para enriquecer a abordagem que apresentei. Mas eu estava triste porque meu pai, em Santa Maria, estava muito doente. Na ultima noite do colóquio houve um jantar na casa de um dos organizadores, findo o qual fomos, em um pequeno grupo, para uma casa noturna da moda em BH; ficamos lá até altas horas; Bento fez questão de pagar a conta. Quando chegamos no hotel, já madrugada, havia um bilhete para mim, de minha mulher, dizendo que meu pai havia falecido. Reparti a notícia e minha dor com Bento, Ghiraldelli e outros; não havia como viajar de volta na madrugada; no outro dia, cedinho, fomos para o aeroporto.

sexta-feira, janeiro 12

Bento Prado Jr.

"Colegas e amigos:
A ANPOF acaba de receber do Professor João Carlos Salles uma triste
notícia, e aqui reproduzimos seu texto, que toca no coração de toda a
nossa comunidade: "Lamento informar o falecimento do professor Bento Prado de Almeida Ferraz Junior, neste dia 12 de janeiro. Colega e grande amigo, Bento é também um exemplo em requinte e em profundidade do que melhor se produziu em Filosofia no Brasil, destacando-se tanto por sua escrita quanto por sua fala. Além disso, é também um exemplo de compromisso institucional, de empenho pela comunidade filosófica nacional, tendo sido, aliás, por duas vezes, Presidente da ANPOF. Como personalidade pública, sua corajosa história é bastante conhecida, sendo ele, além de profissional da Filosofia, um destacado intelectual brasileiro."
A ANPOF perde então um de seus grandes Presidentes, e muitos de nós perdemos um grande amigo, mas a memória de sua inteligência excepcional, de seu humor finíssimo e de sua afabilidade com os mais jovens deve permanecer.
Álvaro L. M. Valls".

quinta-feira, janeiro 11

Prova 3: o que é mesmo a Filosofia?

A prova 3 (Filosofia, Matemática, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira) contribuiu para o enriquecimento das lendas urbanas sobre as questões de Filosofia. Um grupo de professores de Matemática teria se atracado com a questão 4, tentando resolvê-la. Ao cabo de vários minutos um deles arriscou o palpite: "Mas isso não é uma pergunta de Matemática, isso é da Filosofia...".
Enquanto isso - continua a lenda urbana - alguns professores de Filosofia procuravam chegar a um consenso sobre afinal, quais eram MESMO as cinco questões de Filosofia na prova do dia.

A Pragmática

Uma senhora francesa, Françoise Armengaud, professora de Filosofia da Linguagem em Paris X-Nanterre, escreveu um livrinho de apresentação da pragmática, intitulado "A Pragmática". O livro teve sua primeira edicão na França em 1985 (pela PUF), uma segunda, com revisão em 1999, e saiu agora no Brasil, em tradução de Marcos Marciolino, por uma "Editora Parábola" (www.parabolaeditorial.com.br). O livro começa com um capítulo histórico, Peirce, Frege, Wittgenstein, Morris, Carnap, Bar-Hillel, Stalnaker, Hansson. A seguir, o que ela chama de pragmáticas de primeiro, segundo e terceiro graus, e um capítulo de conclusões. Está muito bem escrito; creio que a professora tem tudo a ver com os franceses que se ocupam com o tema, como Recanati, Francis Jacques e outros. Vou dar um jeito de encomendar alguns exemplares pela Cesma. Falando nela, já está funcionando a nova ala da filosofia, sociologia e artes. Vale a pena visitar. Acho que ainda cabe uma bela mesa para expor as novidades. Vamos pressionar o Télcio.
Agradeço ao Frank pelo empréstimo do exemplar do livro da dona Armengaud. Devolvo assim que chegar a minha encomenda. Devolvo?

quarta-feira, janeiro 10

A transversalidade pedestre

Como dizia Dom Bressan ontem, em conversa particular, quase sempre que a gente ouve alguém falar em interdisciplinariedade ou tranversalidade no ensino, a vontade que a gente tem é de ir saindo de fininho, para escapar dos lugares comuns e do vazio de idéias.
Os corredores das escolas ilustram essa dificuldade; os projetos de inter ou transversalidade se resumem à enésima repetição de recortes de revistas sobre problemas de meio-ambiente, no mais das vezes, ou da importância da ética.
Se algo sobrar dessas questões do vestibular de Filosofia, eu espero que seja uma ponta de flecha indicando a possibilidade concreta de uma transversalidade pedestre; no horizonte estaria um projeto de currículo de Filosofia para o ensino médio que, entre outras variáveis (eu disse OUTRAS) consideraria certas relações internas e possíveis entre a Filosofia e as demais disciplinas e atividades do ensino médio.
A transversalidade pedestre se ocupa com conceitos que desempenham papel importante em muitas disciplinas particulares (a idéia de "taxionomia" é fundamental não apenas na Biologia, pois outras áreas do conhecimento humano fazem classificações), mas nenhuma disciplina em particular se ocupa com ela. O mesmo vale para "definição", "abstração", "infinito", significantes que transitam na cabeça dos guris e gurias, mas que ficam à deriva nas disciplinas particulares.
Eu insisto nessa idéia de "transversalidade pedestre" como a porta de entrada da tal da "contextualização". Muitos professores de Filosofia, quando ouvem falar em "contextualização" querem logo falar do Saddam ou da Cicarelli, e esquecem de contextualizar com o que o aluno estava estudando minutos antes, em Biologia ou Física.

Momento Espiritual

Na 800 AM, Rádio da Universidade Federal de Santa Maria, há, por volta das 18.00hs, um programinha chamado "Momento Espiritual". Até aqui tudo bem. Na apresentação do mesmo, o locutor informa que a produção do programa está sob a responsabilidade da "Federação Espírita do Paraná". Pilulas de sabedoria, as de ontem perguntavam se valia mesmo a pena a separação no casamento. Tem cópia para os conselheiros do Cepe ouvirem, se quiserem.
Afinal, é extensão universitária, não?
Atenção demais denominações religiosas: abriu geral, vamos lá reivindicar nossos momentos.
Em outros tempos o idiota pensaria em reivindicar, na portaria da Rádio, um "Momento Material", para expor as bases do seu agnosticismo ou coisa que o valha.
Outros tempos se foram. Com eles se foi certa vergonha republicana.
No quinto andar, a Virgem Medianeira (há no Gabinete do Reitor uma imagem dela) está triste. Ela não gosta dessas idéias de ressurreição da tal Federação Paranaense.

terça-feira, janeiro 9

Questões de Filosofia

Alguns professores de Filosofia estão virando corujas, no melhor dos sentidos, orgulhosos de seus alunos; e não apenas nos cursinhos e no nível médio, diga-se de passagem.
No folclore da prova de hoje há uma história sobre um professor de Filosofia que teria reclamado que, ao invés de cinco questões, havia apenas uma.
Fora do folclore, nas entrevistas com alunos que ouvi, esse foi um dos comentários em tom positivo: as questões de Filosofia nem sempre eram evidentes como Filosofia, e o aluno tinha uma surprêsa intelectual agradável, ao ver um tema de outra disciplina ser abordado de modo diferente.
Essa deveria ser uma (eu disse UMA) característica importante da presença da Filosofia no currículo escolar: praticar uma transversalidade pedestre e efetiva.

Homens, mulheres, vinho e signos

Ao que parece, a questão de número trinta e dois da prova de hoje é uma homenagem aos estudos de semiótica e filosofia da linguagem.
Em um texto de natureza autobiográfica, Charles Peirce escreveu que "... desde o dia em que, na idade de 12 ou 13 anos, eu peguei, no quarto de meu irmão mais velho, uma cópia da Lógica de Whateley e perguntei a ele o que era a Lógica, ao receber uma resposta simples, joguei-me no assoalho e me enterrei no livro. Desde então, nunca esteve em meus poderes estudar qualquer coisa - matemática, ética, metafísica, anatomia, termodinâmica, ótica, gravitação, astronomia, psicologia, fonética, economia, a história da ciência, jogo de cartas, homens e mulheres, vinho, metrologia, exceto como um estudo de Semiótica".
Lembrei desse texto ao lembrar o que pode ter sido o espírito da questão 32 da prova de vestibular da UFSM de hoje, que pede ao aluno para aplicar o conceito de signo - em alguma de suas especificacões, como índice, ícone ou símbolo - ao diagrama de uma questão de física, que fala na representação de um olho. Como não existiam, no gráfico usado na questão de Física, elementos que caracterizassem relações de semelhança ou contigüidade/imediatidade, a resposta certa apenas pode ser a que fala em símbolo e arbitrariedade (ou convenção, não me lembro agora).
Nas questões que serviram de exemplo, meses atrás, no sítio da Coperves, havia uma aplicação desses conceitos a tipos de inteligência ou raciocínio.
Parece ter sido essa a única questão da prova de Filosofia que provocou alguma polêmica. No mais, as pessoas estão dando depoimentos bons sobre a prova. Vamos ver amanhã.

segunda-feira, janeiro 8

Filosofia no Vestibular

Hoje, 8 de janeiro, no almoço, conversei brevemente com uma vestibulanda e linda que presta para Medicina pela primeira vez. Disse que adorou as aulas de Filosofia no Cursinho, pensa até em fazer Filosofia um dia, como uma segunda formação.
Tá vendo? Precisa mais? Deve ter muito mais. Amanhã, terça-feira, 9 de janeiro, é dia.

Desmotivação

A Folha de São Paulo do domingo (7 de janeiro, C1) traz uma matéria sobre educação que toca numa das grandes feridas da área. A matéria tem como fundo uma pesquisa do INEP. A pesquisa visa encontrar as razões que levaram 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos a não estudar no ano de 2005. As principais conclusões são essas:
a) três em quatro jovens não completaram o ensino fundamental, mas a maioria (68%) ao menos chegou até a quinta série;
b) ter filho diminui a probabilidade de a jovem estudar. Entre as que vão a escola, apenas 1.6% é mãe, percentual que sobe para 28,8% entre as que estão fora;
c) mais do que a falta de vagas, de transporte ou mesmo a necessidade de trabalhar, é a falta de vontade de estudar que empurra a rapaziada prá fora da escola. Essa razão foi identificada em 40% dos casos entre os que não estão em sala de aula.
Até aqui, os dados do INEP, na minha opinião, apenas ratificam algo que a imensa maioria dos professores insiste em fazer de conta que não vêem: a escola está mal preparada, didatica e pedagogicamente.
A alguns dos grandes especialistas ouvidos foram atribuídas opiniões bem curiosas. Rubem Alves, segundo a Folha, disse que "o próprio sistema em que as escolas funcionam é pouco atrativo. Usa como exemplo o fato de as disciplinas serem ministradas separadamente". Outra pesquisadora diz que "uma nova forma de avaliação dos estudantes, que valorize aprendizagem e não simplesmente a nota obtida na prova, é um dos pontos que podem ajudar".
Assim me caem os butiás do bolso!
A gurizada se manda da escola porque as aulas são um saco de mal preparadas; não se pesquisa didática, em suma. O resto é conversa prá guri dormir.

domingo, janeiro 7

Ser chefe

O texto maior de João Guimarães Rosa, "Grande Sertão: Veredas" está ainda disponível para baixar, em
http://www.novafronteira.com.br/grandesertaomec/
A Cesma já tem a edição comemorativa dos 50 anos, coisa mais linda, cento e vários de reais.
O bom do arquivo em pdf é a gente poder localizar a jato as passagens que se quer. Dei azar na primeira que fiz. Gosto muito de algumas frases do livro e saí em busca de uma delas. Digitei as palavras chaves e neca. Erro meu, pensei. Fui de novo, restringi um pouco mais as palavras. Achei a passagem, e junto com ela um erro de digitalização. A passagem é essa:
"Ser chefe - por fora um pouquinho amarga; mas, por dentro, é rosinhas flores."
Na versão em pdf, página 84: "rosinhas fôres".
Numa frasezinha dessas o Rosa pega uma baita fresta para espiar o jeitão dos bípedes despenados.

sexta-feira, janeiro 5

CAP

CAP é a sigla adotada pelo Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Estive ontem lá, para falar para os professores. Eu ainda não conhecia a nova sede (desde 1996 o CAP não está mais na Oswaldo Aranha e sim no Campus do Vale). Fiquei surpreso com a qualidade das instalações. Mesmo com 10 anos de uso o Colégio está em bom estado e tem tudo o que uma escola merece, desde armários individuais para os alunos (daqueles que eu só conhecia em escolas de filme americano) até um teatro igualzinho ao Caixa Preta.
A visita me fez lembrar que um dia o Centro de Educação discutiu um projeto de criação de um Colégio de Aplicação na Ufesm. O projeto ficou uma beleza e foi enfrentar os debates. Entre os pomos de discórdia apresentados estava o processo de seleção dos alunos. Uns queriam que as vagas fossem destinadas aos filhos de professores, servidores e alunos. Outros queriam que as vagas fossem para os moradores populares do entorno. Outros queriam sorteio. Deu impasse. Ficou por isso mesmo, não saiu do papel.
Os Colégios de Aplicação supunham uma forte conexão com pesquisa em currículo e metodologia de ensino. Nos anos oitenta, no entanto, as poucas linhas de pesquisa que haviam por aqui nessa área foram diminuindo mais ainda; havia um mestrado em currículo (a "Faculdade Interamericana") que foi implodido, em nome de estudos pedagógicos mais politizados. Deu no que deu: aplicar o quê?
O CAP está muito bem, materialmente. A seleção dos alunos é feita por sorteio. Quanto à aplicação propriamente dita, não tenho elementos para avaliar. Fiquei com a impressão, no entanto, que o CAP paga um preço aos tempos bicudos que vivemos na área educacional e federal.

quarta-feira, janeiro 3

CDN

Acabou a CDN. Depois de meses de negociação, deu em nada. Não houve acordo entre a CDN e a Gaúcha, e volta, no 93.5 o antigo sinal da Antena 1 "via satélite, para todo o Brasil". Nesses anos de sinal da Gaúcha em FM na cidade, e mais os horários locais, criou-se um hábito de ouvir rádio que agora acaba; vai demorar um tantão para que volte, ao que dizem. Eu já andava meio sem criatividade nos debates do meio-dia, mas de vez em quando saia alguma conversa razoável.
A cidade perde um tambor. Gostei de ouvir o mestre Guina, por exemplo, na entrevista das quatro da tarde, falando sobre o Bloomsday. O Sérgio Assis Brasil se saiu muito bem naquele espaço e soube promover muita coisa boa por ali.
Acabou.