“Fortes, firmes e coesos?”
O Sindicato pergunta se a greve é ainda um instrumento eficiente de pressão ao governo? Aceitei dançar com a feia. Uma saída fácil seria dizer que há uma diferença entre eficácia e eficiência: fazer bem a coisa certa e chegar ao resultado desejado é ser eficaz, fazer certo é ser eficiente. Nessa perspectiva, se poderia dizer que as nossas greves podem ter alguma eficiência mas são pouco eficazes; mas essa terminologia não é boa para um assunto tão complicado.
Entendo a palavra “greve” no sentido de “greve do segmento docente das universidades federais”. Digo isso porque, em abstrato, minha resposta seria simples: sim, greve é um instrumento legal de pressão, etc. Mas a pergunta do Sindicato é feita na conjuntura que estamos vivendo em agosto e setembro de 2005. Outra saída fácil seria dizer que a greve não é eficiente porque não há o que pressionar, porque no momento temos apenas um governo que tenta sobreviver a si mesmo. Esse governo sabe que seu ultimo ponto não é a classe média informada, de quem pouco espera e a quem pouco está disposto a conceder. O governo atual já perdeu o apoio no funcionalismo universitário faz tempo. Sumiram dos carros nos campi os adesivos de Lula e PT que eram milhares. Mas não quero enfatizar tanto essa conjuntura. Tampouco pretendo defender um não irrestrito. Fiz mais de 300 dias de greve. Muitas vezes participei do comando de greve e continuo pensando que a greve é um importante instrumento de pressão. Mais do que isso, as greves das Universidades obtiveram algumas conquistas importantes desde o final dos anos setenta (lá se vão quase trinta anos!) em pleno regime militar.
O que eu posso fazer aqui é oferecer um ponto de vista. A primeira greve nacional das universidades federais foi em 1980 e teve a duração de 26 dias. Ali havia um sentimento de que a nossa greve era parecida, em algum sentido, àquelas feitas pelos metalúrgicos, por exemplo. De 80 até 85 houve greve em todos os anos, exceto em 83. De 86 em diante tivemos um ritmo parecido, num ciclo de duas greves pequenas (30 dias) para uma greve grande (dois meses ou mais). A partir de 95 o padrão se alterou, com o fim das greves curtas (a maior, se lembro bem, foi a de 98, que durou 104 dias). Se eu chamo a atenção para isso é para se fazer um comparativo com o movimento grevista dos demais setores da sociedade civil brasileira, em especial de operários como os metalúrgicos do ABC. E a conclusão é que não há um padrão remotamente parecido de greves. Os antigos companheiros entraram em outro ritmo. E nós, de 1978 até hoje acumulamos mais de 1000 dias sem aulas. Greve, para eles, significa outra coisa, com outro peso e preço. Com o fim da parceria, terminou também um certo idílio com a opinião pública, que era benevolente conosco no inicio. Uma prova disso foi a passeata em 1984, com mais de dois mil professores, funcionários e estudantes desfilando nas ruas da cidade, desde o prédio de apoio do CCSH na Floriano até a Câmara de Vereadores. Hoje, uma passeata assim é impossível.
Havia pressão e conquistas nas greves? Sim, vezes mais e vezes menos. Mas haviam algumas regras e pressuposições. Uma regra de ouro era que uma greve precisava ser “forte, firme e coesa”; ninguém entrava sozinho, ninguém saía por conta; somente se entrava em greve com a maioria de universidades tendo votado a favor, em data unificada, e sempre com a participação de um bom número de “grandes”. Isso começou a ser questionado, com o tempo, quando predominou a voz de “greve no bojo”. “Greve no bojo” queria dizer greve conjunta de todo o funcionalismo publico. Levou um bom tempo para que a turma da “especificidade” voltasse a ter voz: a greve tinha que ser somente das universidades; a especificidade, por sua vez foi radicalizada e passamos a ter uma greve de cada segmento dentro das universidades, com agendas e calendários separados. Uma suposição era que nossas greves eram da mesma família da greve de operários; com o tempo, essa comparação não mais podia ser feita; nenhum operário faz greve durante três meses, recebendo o salário e parando seletivamente apenas os setores que quer parar. O complexo sistema de pós-graduação e pesquisa que foi sendo instalado progressivamente nas universidades não permitia – e cada vez permite menos- que as portas da mesma sejam fechadas como as de uma fábrica. Nossas greves eram de outra espécie, e progressivamente assumiram uma identidade muito peculiar, mais próxima à de movimentos de protesto, baseados na solidariedade um tanto forçada dos estudantes de graduação.
Há quem diga que “se não fossem as greves, não haveriam tais e tais conquistas”. Pode ser; mas pode não ser, pois esse raciocínio é um condicional contrafático; isto é, um outro curso de acontecimento não ocorreu e ficamos discutindo hipóteses contra os fatos. É bem possível que os governos tenham, de uns anos para cá, passado a fazer a política salarial das universidades contando com a eclosão desses protestos. Assim, a relação de causa e efeito ficaria invertida, pois o governo esperaria a greve para oferecer as migalhas do ano.
Este ano temos novamente uma greve com entrada a conta-gotas, pela beirada do pires: Acre, Amapá, Rondônia, etc. Novamente, mandamos a gurizada para casa, mais por conta do RU e tocamos a pesquisa. (A gente prova a dissociabilidade do ensino e da pesquisa na prática). Novamente, a estratégia é a do “arranque nacional”: a greve pega no tranco, nem forte, nem firme, nem coesa, pelas beiradas do Brasil, pelas beiradas de cada universidade.
Há quem dance com a feia. Há quem dance com a manca. Eu acho que a maioria dos professores apóia a greve como um instrumento de pressão ao governo. Mas acho também que essa mesma maioria sente um enorme desconforto quando faz o balanço dos ganhos e desgastes que elas tem gerado nos últimos anos; essa mesma maioria, eu acredito, gostaria que ao menos uma vez a greve voltasse a ser forte, firme e coesa, nem que para isso tivéssemos que esperar mais alguns anos, que nos curassem da tentação de pensar que quem é contra a greve (na forma como tem ocorrido) é individualista e a favor desses governos “que estão aí”: a lógica das greves não é assim tão ilógica.
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