Metáforas (II)
Gisele Secco fez uma contribuição na postagem sobre metáforas que resolvi colocar aqui na página principal. Ela escreve:
"Fui buscar ali na minha estante um livrinho que reúne dois ensaios de Susan Sontag sobre metáforas de doenças (Doença como metáfora e AIDS e suas metáforas, pela Companhia de Bolso, 2007), pra trazer esse trecho que complementa o que dizes:
“Apresentar um fenômeno como se fosse um câncer representa uma incitação à violência. O uso do câncer no discurso político estimula o fatalismo e ‘justifica’ medidas severas – bem como reforça com veemência a noção de que a doença é necessariamente fatal. Embora as metáforas de doença jamais sejam inocentes, seria possível afirmar que a metáfora do câncer é um caso pior: implicitamente genocida. Nenhum ponto de vista político específico tem o monopólio dessa metáfora. Trotski chamava o stalinismo de o câncer do marxismo; na China, no ano passado [que, aqui é 1976]o Bando dos Quatro tornou-se, entre outras coisas, ‘o câncer da China’. John Dean assim explicou Watergate para Nixon: ‘Temos um câncer interno, perto da presidência, e está crescendo’. A metáfora recorrente nas polêmicas dos árabes – ouvidas por israelenses no rádio todos os dias, ao longo dos últimos vinte anos – é que Israel é um ‘câncer no coração do mundo árabe’ ou ‘câncer do Oriente Médio’, e um oficial que, junto com as forças direitistas libanesas, participava do sítio ao campo de refugiados palestinos de Tal Zaatar, em agosto de 1976, chamou o campo de ‘um câncer no corpo do Líbano’. Para quem deseja suscitar a indignação, parece difícil resistir à metáfora do câncer. Assim, Neal Ascherson escreveu em 1969 que o caso Slanksy ‘era – é – um enorme câncer no corpo da nação e do Estado da Tchecoslováquia’; Simon Leys, em Sobras chinesas (Chinese shadows), fala do câncer maoísta que está corroendo a face da China’; D. H. Lawrence chamou a masturbação de ‘o mais profundo e perigoso câncer da nossa civilização’; e eu certa vez escrevi, no calor do desespero com a guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã, que ‘a raça branca é o câncer da história humana’. (...) As modernas metáforas de doença são todas indelicadas. As pessoas que sofrem da doença real em nada se beneficiam ao ouvir o nome de sua doença constantemente mencionado como a síntese do mal. Só no sentido mais restrito um fato ou problema histórico se assemelha a uma doença. E a metáfora do câncer é particularmente grosseira. Sempre representa um estímulo a simplificar algo complexo e um convite ao farisaísmo, quando não um fanatismo”. (p. 72-3) "
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