sexta-feira, janeiro 25

Nonada

"Nonada" é a primeira palavra-frase em Grande Sertão:Veredas.
"A ira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles, o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades de valentes, de heróis, ....". É o começo da Ilíada.
"Alguém certamente havia caluniado Joseph K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum". É a primeira frase do Processo.
Veja o começo de Um deus passeando pela brisa da tarde, de Mário de Carvalho:
"Brilha o céu, tarda a noite, o tempo é lerdo, a vida baça, o gesto flácido. Debaixo de sombras irisadas, leio e releio os meus livros, passeio, rememoro, devaneio, pasmo, bocejo, dormito, deixo-me envelhecer".
Guimarães Rosa, em uma palavra, faz um manifesto contra a flacidez da língua portuguesa. "Não é nada" tem cinco vogais, "nonada" tem três e indica a tonalidade sonora do romance, onde abundam aliterações com "m" e "n", uma estratégia para deixar o texto mais sombrio, dizem alguns comentadores.
Homero faz da Ilíada o poema da ira, e essa é a primeira palavra, de fato.
Kafka sintetiza em uma linha o drama de uma vida.
Um deus passeando pela brisa da tarde está me parecendo - estou no comecinho - um presente de Mário de Carvalho para a literatura em nossa língua.
Saiu pela Cia das Letras, em 2006, mas só agora me chegou às mãos, sugerido pelo Jairo José da Silva, que, por sinal, escreveu um belíssimo livro de filosofia da matemática - Filosofias da matemática - Ed. Unesp, 2007.

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