Faz alguns anos entrei num gabinete de uma assessora de um assessor, etc, no terceiro andar da Reitoria, para tratar de um assunto graduado qualquer. A senhora me recebeu muito bem, com todas as alegrias do cargo nem tão pesado assim. Minha atenção na conversa, no entanto, logo foi desviada por uma interminável coleção de imagens religiosas que cercava a mesa peninsular da senhora: santos e santas, anjos e anjinhos, gnomos, fadas, enfim, qualquer fauna capaz de benção morava ao redor das mesas, disputando espaço com carimbos, bandejas de a responder e recebida, potes de canetas e de clipes. Ela parecia incapaz de imaginar que alguém pudesse sentir-se incomodado com tanto despacho na mesa. Na hora, me lembrei que no meu centro de ensino, na sala principal de reuniões, havia um crucifixo pendurado na parede, dominando todo o espaço, abençoando, em primeiro lugar, o presidente das sessões. Lembrei também que um colega de Departamento me acompanhou na queixa (bem humorada!) contra aquela intromissão da fé privada no espaço público. Chegamos a ponderar junto ao pendurador que ele não deveria fazer aquilo, colocar sua fé pessoal no espaço republicano da sala de reuniões. O dirigente, com humor aquoso, respondeu que ele era o diretor, e que o crucifixo era dele, colocava onde queria. O dirigente se foi, faz algum tempo, e o crucifixo foi ficando. Desde ontem, ao final da tarde, ele está à disposição do ex-dirigente.
Não pude fazer quase nada nesse meu nano mandato. Baixei o crucifixo da parede, por exemplo. É muito pouco. Eu gostaria de ser reitor, um dia, para baixar uma diretriz administrativa - talvez várias - que limpasse também essas mesas de santerias.