O Labirinto do Fauno
Levei um soco no estomago meses atrás, quando um estudante de Filosofia deixou escapar que sonhava com um sistema educacional no qual não houvesse lugar para contos de fadas e papai noel, no qual predominasse a realidade, simplesmente. Meu estômago ainda dói ao lembrar essa conversa e talvez o do aluno também, espero. Lembrei ao estudante que um tal sistema roubaria das crianças a própria infância, mas ele não me pareceu comover-se muito; nos despedimos e pensei em tratar do tema de forma mais demorada e sutil em outro momento. Enquanto pensava nessa condenação da imaginação humana li um texto muito bonito do Daniel Galera sobre o filme "O Labirinto do Fauno", de Guilhermo del Toro, que poderia ser o recomeço dessa conversa. Quem sabe a gente passa o filme no Curso uma hora dessas?
Vai aqui o texto do Galera:
“O Labirinto do Fauno, de Guillermo del Toro, é o filme mais triste que já vi. Saí do cinema massacrado, e acho que o mesmo deverá ocorrer com qualquer pessoa cuja história pessoal esteja profundamente contaminada pela fábula (não no sentido de fábula infantil com moral, mas no sentido mais amplo de narrativa imaginada, de aceitação visceral da fantasia como um dos componentes essenciais da vida). Muitos vão gostar do filme - é graficamente lindo, é cruel e sádico, é assustador (contendo, inclusive, a criatura fantástica mais assustadora que já vi na tela), é protagonizado por uma menina adorável, tem excelentes atores no todo, comove qualquer um até a medula e consegue, sem ser chato em nenhum instante, combinar tudo isso com uma abordagem extremamente rancorosa dos traumas da guerra civil espanhola. Mas suspeito que apenas alguns sairão abalados pelo golpe final, uma declaração quase insuportável de que a realidade e a imaginação estão divididas por um abismo instransponível e já não podem ajudar uma à outra nos dias de hoje; de que só resta, à imaginação fantasiosa, a nobre função de fuga dos horrores da vida real; de que uma e outra não podem mais andar de mãos dadas. A ficção está morrendo, ou, para não soar dramático demais, cada vez mais perdendo o valor (”O seu livro é autobiográfico?”, me pergunta um fantasminha nesse momento, com um sorriso cheio de sarcasmo estampado na cara - ele sabe, como eu, que a resposta não existe). É um diagnóstico doloroso, que consegue ser belo somente no sentido de que temos um autor de cinema capaz de reconhecer o estado moribundo em que se encontra a fábula e de transformar esse triste fato num filme implacável."
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