segunda-feira, maio 14

Jacques Bouveresse e a patrulha ideológica

Aos poucos Jacques Bouveresse é publicado no Brasil. Há dois livros dele por aqui, "Prodígios e Vertigens da Analogia - o abuso das belas letras no pensamento" (Ed. Martins Fontes) e "O Futuro da Filosofia", Editora Atlantica. Nascido em 1940, professor no Collège de France, foi dos primeiros franceses a estudar seriamente Wittgenstein, e tem um punhado de livros dedicados a ele. Agora publicou na França um livro sobre um tema muito atual: "Podemos não crer? Sobre a verdade, a crença e a fé". No domingo, ontem, a Folha publicou uma entrevista com ele. Selecionei alguns trechos:
"FOLHA - O filósofo Renan não identifica o progresso ao desaparecimento gradual da religião e "pensa não somente como uma possibilidade mas como certo e inevitável, como um progresso da religião". O sr. pode explicar o que ele via como progresso da religião?
BOUVERESSE - Renan pensava que as religiões nasceram pelo fato de a humanidade ter necessidade de saber, num momento em que não dispunha ainda de meios suficientes. A força da ciência está justamente em ser capaz de esperar e, enquanto espera, renunciar a toda certeza prematura.
Quando se torna possível saber, necessariamente a religião se transforma, mas não há nenhum motivo para pensar que ela desaparecerá, e Renan não desejava que ela desaparecesse.
O que é difícil é saber o que subsistirá da religião tradicional e se isso merecerá ainda o nome de "religião". Para Renan, que identificava a oração à especulação racional, um pensador autêntico não pode deixar de ser, no fim das contas, um homem religioso num sentido que ainda é, provavelmente, indeterminado.
O progresso da religião, tal qual ele o concebia, consiste numa redução progressiva da religião ao seu núcleo racional.
A única religião aceitável e a que ficará no fim das contas é o que podemos chamar a "religião da humanidade" (em vez da religião da divindade)."
(...)
"FOLHA - O senhor cita Habermas, que escreveu: "As tradições e as diversas religiões conquistaram uma importância política nova, inesperada até hoje, desde a mudança marcante dos anos 1989-1990". A volta da religiosidade e o crescimento dos fundamentalismos de toda espécie seriam, então, conseqüências do fim do comunismo e da utopia da construção do paraíso na terra?
BOUVERESSE - Não são unicamente conseqüência do desmoronamento do comunismo.
Mas, na medida em que este funcionava em grande parte como uma religião da salvação de caráter leigo e profano, sua derrocada deixou um vazio que um retorno à religião, no sentido tradicional do termo, pode dar a impressão, certa ou falsa, de estar em condições de preencher."
(...)
"FOLHA - Existe hoje uma patrulha ideológica contra os não-crentes?
BOUVERESSE - Hoje, são freqüentemente os não-crentes que podem parecer atrasados (que são acusados de defender posições consideradas "cafonas", o que, hoje, é considerado o argumento mais consistente).
Mas isso não é o mais preocupante, e sim o fato de que não são as pessoas que crêem cegamente que são vistas como intolerantes, mas, sim, as que não crêem e que pedem justificações e provas.
No mínimo, o que se pode dizer é que a credulidade leva mais facilmente ao dogmatismo e à violência do que o ceticismo."

Na próxima postagem tem mais.

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