Tortos pela Filosofia (I)
Na semana passada um aluno fez um comentário em aula que sugeria uma desqualificação do testemunho como fonte de conhecimento. Era como se o aluno quisesse dar a entender que podemos confiar plenamente apenas naquilo que nós mesmos percebemos, e que no caso do testemunho de outros a coisa sempre fica em suspenso. O entortamento pela filosofia consiste nisso: se a gente pensasse com a própria cabeça ficaria evidente o quão pouco podemos ir adiante na vida apenas baseado no que podemos perceber por nós mesmos. Mas, ao invés disso, costumamos pensar com a cabeça da história da filosofia, que em grande parte desprezou o testemunho, teorizando sobre o conhecimento a partir da ficção de uma consciência solitária diante do mundo. Todas as grandes teorias do conhecimento da modernidade usam esse modelo.
Austin, na metade do século vinte, escreveu essa frase, no artigo “Outras Mentes”:
"É fundamental na conversação (como em outras matéria) que tenhamos o direito de confiar nos demais, exceto no caso em que haja alguma razão concreta para a desconfiança. Acreditar nas pessoas, aceitar testemunhos, é um dos aspectos principais, senão o principal, da conversação. Nós não disputamos jogos (competitivos), exceto acreditando que nosso oponente tenta vencer: se ele assim não proceder, não é um jogo, mas algo diferente. Assim, nós não conversamos (descritivamente) com as pessoas, exceto acreditando que elas tentam transmitir informação."
Uma pessoa não deformada pela filosofia acha estranho que isso tenha que ser dito: não parece ser o tipo de coisa evidente por si mesma? Sempre que exista alguma razão concreta, devemos duvidar dos outros. Mas apenas nessas ocasiões. Isso inclui, por exemplo, aqueles testemunhos que, por mais apaixonados e aparentemente siceros, queremos que sejam examinados. Vide affaire Roberto Jefferson e José Dirceu.
3 comentários:
"Acho" um tanto qto 'complicado', pra encurtá a história, pra alunos de 1º semestre pensarem com 'os pés' numa história da filosofia ou mesmo perceberem qdo um artigo é escrito nessa perspectiva... há quem pense q a aula de filosofia da linguagem se trata de aula de língua portuguesa, o q, em (in)certa medida, deve estar correto..., todavia há uma abstração necessária aí implicada... de se colocar os pés [ou seria a cabeça?] em... acho q dá pra dizer assim ñ?
Talvez seja complicado. Faço mais uma defesa de meu argumento dizendo que ate mesmo alunos de primeiro semestre podem ter sido influenciados por uma imagem da Filosofia do tipo "a gente só sabe que nada sabe". Ou seja, não é preciso estudar história da filosofia para a gente ficar meio entortado, basta ter sido razoavelmente exposto à certos lugares comuns sobre a mesma. E quanto a alguém pensar que a aula de Filosofia da Linguagem é aula de Portugues, como o comentador mesmo diz, em (in)certo sentido não está errado. Basta pensar que estuda a gramática profunda das línguas humanas. Achei legal o comentário. Estou devendo um comentario ou post sobre a questão das cruzinhas, levantada mais abaixo por outro comentador. Estou pensando no assunto.
Deixo um pedido para os comentadores no blog: cliquem no Other e escolham uma identidade, seja o nome ou apelido, ou coloquem uma identidade no proprio texto.
Minha dúvida tem relação ao trecho em que o senhor refere-se a "consciência silotária diante do mundo" no sentido ficcional. Não me está muito claro o que isso quer dizer. O sujeio doconhecimento não é individual, solitário, diante do mundo?
Há algum desgaste na abordagem a-histórica do mundo? A filosofia precisa ser construída em cima da história? O mundo não pode ser tomado em si mesmo?
Postar um comentário