Natureza Humana (II)
Eu não assisti a entrevista de Roberto Jefferson ao Roda Vida, na segunda-feira. Mais de uma pessoa que assistiu falou sobre a resposta que ele deu para a pergunta de um repórter, se ele, RJ, era corrupto. Jefferson respondeu com a pergunta: "é possível encontrar um fio de água pura em um cano de esgoto?"
O que ele quis dizer com isso? Parece haver apenas uma resposta, que foi apenas uma forma retórica de dizer que "sim, somos todos água servida da mesma torneira e farinha do mesmo saco". Seria uma generalização que quer levar todos os políticos para o mesmo encanamento. Nessa hipótese, como se salvaria o que ele mesmo diz? Por que razão a fala dele não seria também corrompida? “Eis aqui meu pescoço à corda”, ele diria em resposta, como lastro para a exceção de seus ditos. Ou RJ estaria apenas provocando os entrevistadores, insinuando que todos sempre souberam de tudo, apenas não tiveram a coragem de dizer em publico o que todos diziam em boca pequena? Para quem faz pergunta boba, nada mais adequado que uma resposta ainda mais boba.
E bobos ficamos. Esse período de fatos e notícias coloca na ordem do dia o que pensamos sobre a natureza humana. Daí surge um link com a nossa folk philosophy. A expressão “folk psychology” é termo técnico, e não existe um equivalente para a filosofia. Podemos, no entanto, entender que faz parte da “psicologia popular” um conjunto de hipóteses sobre o que é mesmo a natureza humana, e que isso faz vizinhança com a “filosofia popular”, por certo, na medida em que certos tópicos – mente, linguagem, corpo, etc – não são propriedade privada de nenhum campo conceitual.
Ao leitor ou leitora Gauche, que deixou um comentário: eu gostaria de começar a esclarecer um pouco a citação de Íris Murdoch; a natureza da corrupção e da natureza humana é o pano de fundo dessa conversa. Mas hoje posso apenas mostrar o contexto da citação que fiz na postagem de dois dias atrás. A frase que citei está em um escrito dela, intitulado “A soberania do Bom sobre outros conceitos”:
“Frequentemente se diz que o Bom é algo indefinível por razões que se ligam com a liberdade. O Bom é um espaço vazio, no qual a escolha humana pode se mover. Eu quero agora sugerir que a indefinibilidade do bom poderia ser concebida de outra forma. No tipo de concepção que estou oferecendo, parece que nós realmente conhecemos bastante sobre o Bom e sobre a forma na qual ele está conectado com nossa condição. A pessoa comum, a menos que esteja corrompida pela filosofia, acredita que ela cria valores ao fazer suas escolhas. Ela pensa que algumas coisas realmente são melhores do que as outras e que ela é capaz de se enganar (getting it wrong). Normalmente não estamos em dúvida sobre para que lado fica o Bom. Da mesma forma, reconhecemos a existência do mal: o cinismo, a crueldade, a indiferença diante do sofrimento. No entanto, o conceito de Bom permanece ainda obscuro e misterioso. Nós vemos o mundo à luz do Bom, mas o que é o próprio Bom?”
“A pessoa comum, a menos que esteja corrompida pela filosofia, acredita que ela cria valores ao fazer suas escolhas.”
Essa atribuição de crença à pessoa comum é razoável? As pessoas comuns, de forma explícita, acreditam nisso ao fazer suas escolhas? Elas apenas escolhem, você diz. Para Murdoch, a ocupação do filósofo é, entre outras coisas, tentar explicitar aquilo que fazemos de forma, digamos, instintiva. Então, o que é que implicitamente fazemos ao escolher? Digamos, terminar o namoro, continuar um casamento, escolher um candidato à reitoria? Decidir-se, diria ela, é colocar-se ao lado de um valor, e com isso recriar esse valor. Por vezes, criar um valor.
O tema é interminável. Uma forma de continuar é conhecer um pouco mais o pensamento de Íris Murdoch. Fiz uma tradução de um texto dela que pode ajudar, que está disponível em http//homepage.mac.com/ronairocha, em “Arquivos para baixar”; procure ali o arquivo “Sobre Deus e Bom”.
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