O texto que segue é de Colin McGinn. É um trecho de um artigo intitulado "O Conceito de Conhecimento", publicado pela Midwest Studies. Eu o traduzi por provocante, como material de reflexão para, entre outras coisas, alimentar os pensamentos sobre o "minimalismo" no debate sobre "consciência crítica". Acho que uma renovação no ensino de filosofia no nível médio é simplesmente impossível sem uma renovação da bibliografia básica disponível em nosso país. O que se lê sobre tópicos como esse nos melhores manuais disponíveis na praça não é bom.
"Se a noção raiz de conhecimento é a noção de uma capacidade discriminadora, então não será uma surpresa que o conhecimento seja logicamente independente da crença. Que o conhecimento não implica a crença parece óbvio para o conhecimento não proposicional, dado que a crença é uma atitude proposicional, e esses outros tipos de conhecimento não são atribuídos completando-se ‘saber’ com uma clausula-que; se eles envolvessem crença, isso teria que ocorrer indiretamente. Parece-me, então, que estamos preparados para fazer atribuições literais de saber-como, saber-qual e saber uma coisa a partir de outra à criaturas cujo status como crentes (believers) nós somos (corretamente) relutantes em reconhecer; dizemos sem forçar (without strain) de várias espécies de animais que eles tem um tipo de conhecimento não-proposicional, muito embora um elemento de metáfora se ligue a qualquer atribuição de crença a eles. A razão dessa diferença é, eu sugiro, esta: a posse de crenças autenticas pressupõe a capacidade de raciocinar, de pesar evidencias, tirar inferências, e assim por diante; mas o conceito de conhecimento per se exige apenas uma capacidade de discriminar, de responder diferencialmente – e este tipo de capacidade é possível na ausência de uma capacidade de raciocinar.
Conhecimento, portanto, é uma realização sub-racional, enquanto que crenças são essencialmente estados cognitivos que são formados e interagem de acordo com os ditames da racionalidade. Nesse sentido, o conhecimento está junto à percepção (e também à memória), pois a percepção é também possível na ausência da crença e do raciocínio; muitos animais dos quais podemos dizer que vêem, ouvem, cheiram, etc, o que está acontecendo ao redor deles, não podem ser considerados sujeitos de crenças. Tais animais podem, é verdade, ser considerados portadores de estados informacionais que são, se você quiser, análogos à crenças genuínas; mas processar informações sobre o meio-ambiente não é a mesma coisa que raciocinar sobre ele. Assim, tanto a percepção e o conhecimento são, num sentido claro, mais primitivos do que a crença. O conhecimento e a percepção predam a crença na história evolucionista.
Mas o que acontece com o conhecimento proposicional? Ele não implica a crença? As considerações anteriores me encorajam a duvidar que isso ocorra: o que é exigido pelo conhecimento-que é algum tipo de atitude proposicional , mas precisamos de um argumento para nos persuadir que esta atitude deva ser a da crença. Por que não exigir somente algo como registrar e reter a informação que p, onde essas 'atitudes' são concebidas como estados cognitivos sub-racionais?...”
(Publicado em MIDWEST STUDIES IN PHILOSOPHY, IX, 1984)