Um texto fundador
Hoje à tarde fui procurar um texto de Martha Nussbaum para reler e passar para os alunos. Não achei o que eu queria, me pus a ler outro, da mesma autora, um pequeno-grande trabalho, intitulado "Cultivando a humanidade na educação jurídica", traduzido por Luis Reimer Rieffel, e que me foi alcançado por Ney Silveira Gomes Filho. Lá pelas tantas ela escreve:
“Para estóicos gregos e romanos, todos os seres humanos são fundamentalmente membros de uma ordem mundial, não importando em que pais residam. Esta visão é frequentemente referida como ‘cosmopolitismo’ em virtude do fato de os mesmos sustentarem que cada um de nós é um ‘cidadão do mundo’ (em grego, kosmoupolites). Para pensadores como Cícero, Sêneca e Marco Aurélio, o fato de dividirmos com outras pessoas, em partes distantes do mundo, uma humanidade comum significa que temos para com elas obrigações morais que transcendem o alcance do direito positivo corrente. As idéias desses pensadores tornaram-se a base para o posterior desenvolvimento do direito internacional, especialmente na área da guerra e paz.
Uma vez que os estóicos acreditavam que as pessoas deviam cooperar além de fronteiras nacionais, eles acabaram por ter algumas idéias radicais sobre a educação. Sêneca, um filósofo romano nascido na Espanha e regente do Império Romano durante a juventude de Nero, estava em boa situação para refletir sobre estas questões, pois morava em uma Roma já heterogênea na sua constituição étnica e conectada de maneira complexa a diversas partes do mundo. A epistola moral nº 88 de Seneca, usualmente denominada ‘Carta sobre a educação liberal’ constitui o texto fundador da nossa idéia moderna de educação liberal."
Depois de ler essa passagem fiz uma pequena busca no Google para ver se existe alguma tradução de Sêneca desse texto, a epistola 88. Pois não é que existe uma edição integral, de mais de 700 páginas, das Cartas a Lucilio, publicada em 1991 pela Gulbenkian?
Antes que um desavisado jogue pedras no Sêneca, vai o resto do texto, onde a Martha explica o sentido desse "liberal". (Aliás, na tradução original, o Luis Rieffel opta por traduzir "our modern idea of liberal education" por "nossa idéia moderna de educação geral". Eu é que repus, por minha conta, o "liberal", até porque a Martha, na sequência, esclarece o sentido da expressão:
"Sêneca inicia sua carta, descrevendo o estilo tradicional de educação, salientando que este é chamado de ‘liberal’ (do latim liberalis, ‘conectado à liberdade’) porque o mesmo é concebido de forma a ser uma educação destinada a jovens de boa posição social e de boa criação, que eram chamados de liberales, os que ‘nasceram livres’. Ele proclama, então, que utilizará o termo ‘liberal’ de uma maneira diferente. Na sua perspectiva, uma educação é verdadeiramente ‘liberal’ somente se ‘liberta’ a mente do estudante, encorajando-o a tomar as rédeas de seu próprio pensamento, conduzindo-se pela vida examinada socrática e tornando-se um crítico reflexivo das práticas tradicionais. Sêneca continua seu argumento, asseverando que somente esse tipo de educação desenvolverá a capacidade de cada pessoa para ser completamente humana, significando que esta é possuidora de consciência própria, autocondução e da capacidade de reconhecer e respeitar a humanidade de todos os seus pares seres humanos, não importando onde nasceram, não importando a sua classe social, não importando o seu sexo ou origem étnica. ‘Logo daremos nosso último suspiro’, ele conclui em sua obra relacionada com o tema Da Ira. ‘Entrementes, enquanto vivemos, enquanto estamos entre seres humanos, cultivemos nossa humanidade."
2 comentários:
Muito obrigado por este material.
No site de itunes da Universidade de Stanford (http://itunes.stanford.edu) há uma discussão com Martha Nussbaum sobre a amizade. Também há discussões com Dennett, Singer, ... Gravei ontem uma discussão sobre dilemas morais. Excelente.
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