quarta-feira, junho 28

O BRAÇO CURTO DO PODER PÚBLICO

Delmar Bressan*

Está em curso no sul da América uma rumorosa polêmica tendo como epicentro uma essência florestal de origem australiana, o eucalipto.
Introduzida no Brasil em maior escala no alvorecer do século XIX e destinada à produção de lenha para as locomotivas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a espécie transformou-se no ícone do atual modelo de plantios extensivos para produção de celulose e papel.
Na situação mais próxima em exame – os plantios na metade sul do Rio Grande – as contradições e insuficiências são visíveis. Entre elas, observa-se, desde o princípio, uma inversão da ordem lógica das coisas, determinada pela dificuldade crônica dos agentes estatais de planejar o desenvolvimento regional e, a partir daí, de antecipar-se às demandas mediante a fixação de regras claras e duradouras.
Ao poder público, independente do governo em exercício, cabe planejar a ocupação do espaço territorial sob seu domínio e, por conseqüência, definir previamente as posições geográficas que apresentam potencial para receber as diferentes alternativas econômicas. Para o caso em foco, é possível adotar, por exemplo, as divisões hidrográficas como referência espacial, definindo áreas preferenciais para (re)florestamento, grau aceitável de transformação da paisagem, zonas de proteção previstas na legislação etc.
Além do ordenamento territorial, será sempre conveniente, à parte os já repetitivos estudos de impacto ambiental, exigir o desenvolvimento paralelo de pesquisas científicas – feitas por grupos independentes e financiadas por instâncias públicas – capazes de esclarecer o efeito das florestas de eucaliptos sobre a água, o solo e a biodiversidade regional, além de suas repercussões na estrutura fundiária e nas relações de trabalho. Se não existirem tais investigações, ficaremos todos à mercê de informações desencontradas, que ora prevêem um caos hídrico na região por conta dos eucaliptos beberrões, ora vaticinam a redenção econômica do sul decadente. Um pouco de ciência e de bom senso não fará mal a ninguém.
No entanto, o braço estatal, nesses tempos bicudos, anda curto. E tende a ficar cada vez mais curto, diante da “fuga iminente” de investimentos. Sendo assim, a definição destes regramentos, até onde se pode vislumbrar, passa a ser feita ou influenciada pelos interesses empresariais. Basta ver o modelo de aquisição de glebas de terras adotado por parte de empresa multinacional e o choque previsível com a Constituição brasileira que dificulta a concentração fundiária nas zonas fronteiriças em mãos estrangeiras. Ou ainda as sutis tentativas de cooptar setores do meio acadêmico e do parlamento estadual para obtenção de algum tipo de salvo conduto.
As críticas pertinentes à origem da espécie representam segregação duvidosa. Sem desconsiderá-las, há outras questões decisivas: o modelo de ocupação dos amplos espaços regionais, as pesquisas com o selo e o zelo públicos e o monitoramento das transformações socioeconômicas advindas das florestas implantadas em meio aos outrora gloriosos campos sulinos.

* Professor da Universidade Federal de Santa Maria

5 comentários:

Anônimo disse...

Com a colher de chá do amigo e do seu festejado blog, o artigo vai ser conhecido além fronteiras.

Anônimo disse...

Bressan, precisamos de um articulista na ACN.(Risos) Topas?

Anônimo disse...

Rosana, acho que não vai dar. Sou um articulista bissexto.

Anônimo disse...

Ok Bressan, mas em breve vc vai ser minha fonte. Me aguarde!
Abraço

Anônimo disse...

Cara Rosana, fique à vontade.