domingo, junho 19

Testemunho

Uma homenagem ao filósofo Peter Geach:
“ É claro que a memória e a observação próprias de uma pessoa não a levariam muito longe. Começamos, em criança, acreditando no testemunho dos outros sem qualquer exame ou qualquer inferência, e seria impossível para um adulto sofisticado conferir muitas coisas. Há na verdade maneiras de descobrir que uma autoridade que antes reconhecíamos não é confiável; mas mesmo aqui cada indivíduo deve confiar muito amplamente em checagens realizadas por outros, que ele próprio só conhece por testemunho.
Obviamente, nem todo testemunho é confiável; uma pessoa prudente terá aprendido a aplicar certos princípios sobre o que torna alguém um mau observador ou um repórter inexato ou inverídico. Diz-se desses princípios que eles são 'apreendidos com a experiência'. Porém, mais uma vez, não é a experiência pessoal do indivíduo prudente que lhe ensina tais princípios; ele confia na experiência geral da humanidade sobre a confiabilidade do testemunho. Mas a experiência geral da humanidade é novamente algo que só se pode apreender confiando no testemunho.
Podemos confiar na observação, memória e testemunho só de maneira geral; tentar aceitar cada detalhe como verdadeiro nos colocaria em positiva inconsistência. Devemos então dizer: 'cada um deve julgar por si mesmo'? Num sentido, isso é uma trivialidade; tomado em outro sentido, é simplesmente tolice. Se queremos dizer que, seja o que for que uma pessoa julgue, ela está julgando assim, então isso é uma tautologia da qual não se segue nada de interessante. Se, por outro lado, queremos dizer que estamos logicamente proibidos de aceitar a autoridade de quem quer que seja sobre qualquer coisa, então isso é um princípio completamente tolo. Alguém que decide confiar numa autoridade está de fato fazendo um juízo sobre essa autoridade. Mas, ao fazê-lo, não está assumindo a posição de juiz, não está se colocando a si próprio como uma autoridade mais alta. Recomendando alguém como um bom advogado ou médico, não estou pretendendo ser eu próprio um advogado ou médico ainda melhor.”
Eu mesmo, como diria Mestre Guina, não vou fazer nenhum comentário. Exceto que esta bela passagem de Peter Geach foi traduzida por uma das mais belas filósofas do Brasil, Rejane Carrion.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu mesmo digo que a passagem do Geach é muito bonita. Já sobre a tradutora não posso dizer nada. Aliás, vistes que a nova tradutora do Ulysses do Joyce é uma senhoura de 83 anos já completos!
Abraços.
Aguinaldo Severino