sábado, outubro 27

Relatório da Unesco sobre Filosofia: uma polêmica

O Relatório da Unesco sobre Filosofia despertou uma polêmica. Nele há um box de informações sobre a situação do ensino de Filosofia no Brasil, assinado pelo Prof. Walter Kohan. No Jornal da Ciência, o Prof. Paulo Ghiraldelli publicou uma resenha do relatório (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=51713) na qual, num trecho, atribui ao Prof. Walter Kohan diversos erros de fundo histórico. Kohan "traz informações distorcidas a respeito da história da educação brasileira e sua relação com a prática da filosofia nas escolas", diz Ghiraldelli. Entre esses erros estaria a forma como Kohan conta a história das relações da ditadura militar com a filosofia na escola média.
Li o artigo de Paulo e o de Kohan. Kohan de fato foi impreciso. Ele passou por cima do fato que o ensino de Filosofia seguiu em frente em muitas escolas apesar das leis que deixaram de lhe consagrar um lugar nobre no currículo. Essa falta de precisão ocorre em nove entre dez comentários sobre ensino de Filosofia no Brasil. A imprecisão de Kohan está contido na frase "with the establisment of the military dictatorship, philosophy was again officially deleted from the secondary curriculum by law 5692". Algumas linhas depois ele repete a mesma idéia, escrevendo que a disciplina foi "excluded by the last military dictatorship".
Segundo Ghiraldelli, Kohan, ao dizer isso, "endossou um erro fatal a respeito da história do ensino de filosofia no Brasil, que é a conversa sobre a repressão da Ditadura Militar à filosofia."
Transita com facilidade essa afirmação sobre a história de nossa disciplina, que atribui aos militares a "exclusão" da Filosofia dos currículos. Pouca gente qualifica o tópico ou vai aos detalhes. Vamos aos fatos. A ditatura militar, por meio de seus prepostos e fantoches, nunca publicou ou mandou publicar um documento "oficial", excluindo, deletando ou proibindo o ensino de filosofia. Alguns professores de Filosofia nas universidades foram cassados, (Ernildo Stein, por exemplo!), a disciplina tornou-se opcional nos currículos, mas não foi "officially deleted" por algum decreto ou norma com o brasão da coisa pública. A menos que Kohan estivesse aqui a pensar que a falta de menção à Filosofia na lista de disciplinas do núcleo comum do currículo significasse ser "officially deleted". Todos sabemos que na parte diversificada muitas escolas a mantiveram sem problemas.
Eu estudei no Maneco, em Santa Maria, RS, entre 1968 e 1970, e havia Filosofia. A partir de 71, ano da Lei 5692, algumas escolas fizeram a opção de mantê-la. O Maneco a manteve, fiz meu estágio ali em 1973, na terceira série noturna. E a disciplina continou existindo na escola até hoje. Ali a Filosofia não vai voltar ao currículo, pois dele nunca saiu, tendo sido, através de quase quarenta anos, local dos estágios curriculares do curso de filosofia da UFSM. Casos como o do Maneco não foram a maioria mas houve permanência, sim.
Kohan ofereceu a versão vaga e pouco acurada da nossa história, que, de resto, é repetida pela maioria dos estudos sobre o assunto. Essa versão da exclusão colide com os fatos. No Rio Grande do Sul, nos anos setenta, havia cursos de Licenciatura em Filosofia na UFRGS e na PUC de Porto Alegre, em Viamão, em Pelotas, em Caxias, em Santa Maria, em Ijuí, em São Leopoldo, etc, e em todas essas cidades houve ensino de Filosofia no nível médio ininterrupto desde o início dos anos sessenta.
Conversei com um professor que conhece bem a experiência de Portugal. Ele disse que o relatório sobre a situação portuguêsa não é bom. Bem, talvez tenhamos que ler o relatório da Unesco "com água no bico", como s diz no Algarve.
As frases que citei de Kohan estão na página 78 do relatório.

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