sexta-feira, fevereiro 22

Entendimento discursivo


Um leitor manifestou curiosidade em relação à expressão "entendimento discursivo", que tenho empregado com certo abuso. Faço aqui uma nota sobre isso. Eu deveria ter escrito sempre "conhecimento discursivo", para fazer justiça a um dos contextos de uso da expressão. Trata-se da "Suma Contra os Gentios", de Tomás de Aquino. O livro data de 1313, aproximadamente, e representa a obra madura do teólogo Aquino. No primeiro capítulo Tomás trata da natureza de Deus, usando um método que combina a "via negativa" (dizer o que Deus não é) com a via positiva (dizer o que ele é). Assim, Deus não é corpo, nele não há acidente, e Deus é bom e uno. Nesse andor, Tomás chega ao problema de caracterizar o modo do conhecimento divino. Aqui, novamente, a solução é comparar o tipo de conhecimento que Deus tem com o tipo de conhecimento que os homens tem. Assim, Tomás expõe, falando de Deus, sua teoria do conhecimento humano. Para o que me interessa aqui, Tomás indica dois tipos de conhecimento. Um deles é o conhecimento "raciocinante ou discursivo", "quando, tendo pensado em uma coisa passamos a outra, como no silogismo, no qual vamos das premissas para a conclusão" (SCG, Livro I, Cap. LVII). O intelecto humano funciona, diz ele, na base da composição e da divisão, uma coisa torna-se conhecida por meio da outra. Já o intelecto divino não precisa compor e dividir, não precisa saber primeiro uma coisa e com base nessa passar para outra. Deus considera tudo simultaneamente, numa só operação. Seu pensamento não depende de raciocínio. Tomás não usa a expressão, mas se poderia dizer que o conhecimento divino é "intuitivo", não depende do caminho demonstrativo. A oposição que ele faz é entre "raciocinante" e "intelectivo".
A razão humana, conclui ele, é algo imperfeito. Precisamos saber uma coisa depois da outra, uma coisa por meio da outra.
O preço do conhecimento é a contínua vigilância aos equívocos do silogizar.
Assim, o entendimento divino, que não silogiza, não é discursivo.
Para que uma criatura seja dita provida de entendimento discursivo, deve silogizar.
Disso não se segue que os animais sejam desprovidos de linguagem.
Tampouco se segue que todos os animais providos de entendimento discursivo silogizem.
PS: os professores de Filosofia, essa disciplina que esse ano vai entrar em todas as escolas, ensinam a negação de proposições universais?

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