domingo, outubro 9

Um poema do João

Um leitor do blogue declarou-se em estado de admiração diante da Vida e Morte Severina, de João Cabral de Melo Neto. Reparto com ele e com os leitores o meu favorito do mesmo autor.

Rios sem discurso

Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque co nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.
*
O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem,
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase e frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.
(João Cabral de Melo Neto)

Um comentário:

Anônimo disse...

"Na ribeira deste rio/ou na ribeira daquele/passam meus dias a fio/não me impede, me impele/me dá calor ou dá frio/
Vou vendo o que o rio faz/quando o rio não faz nada/vejo os rastros que ele traz/numa sequência arrastrada/do que ficou para trás/
Vou vendo e vou meditando/não bem no rio que passa/mas só no que estou pensando/porque o bem dele é que faça/ Eu não ver que vai passando
Vou na ribeira do rio/que está aqui ou ali/e do seu curso me fio
porque se o vi ou não vi/ele passa e eu confio.
O rio do João e o rio do Pessoa -
Luís Carlos Valério